quinta-feira, 26 de setembro de 2013

ÍNTEGRA DO DISCURSO DE PEPE MUJICA NA ASSEMBLEIA GERAL DA ONU

ÍNTEGRA DO DISCURSO DE PEPE MUJICA NA ASSEMBLEIA GERAL DA ONU

Amigos todos,

Sou do sul, venho do sul. Esquina do Atlântico e do Prata, meu país é uma peneplanície suave, temperada, uma história de portos, couros, charque, lãs e carne. Teve décadas púrpuras, de lanças e cavalos, até que por fim, no começo do século XX, se transformou em vanguarda no social, no Estado, na educação. Diria que a social democracia foi inventada no Uruguai.

Durante quase 50 anos o mundo nos viu como uma espécie de Suíça. Na verdade, na economia fomos bastardos do império britânico e quando este sucumbiu vivemos o mel amargo de termos comerciais funestos, e ficamos estagnados, saudosos do passado.

Quase 50 anos recordando o Maracanã, nossa façanha esportiva. Hoje ressurgimos neste mundo globalizado talvez aprendendo da nossa própria dor. Minha historia pessoal, a de um rapaz – porque uma vez fui um rapaz – que como outros quis mudar sua época, seu mundo, o sonho de uma sociedade libertária e sem classes. Meus erros são em parte filhos de meu tempo. Obviamente os assumo, mas há vezes em que medito com nostalgia.

A FORÇA DA UTOPIA

Quem me dera ter a força de quando éramos capazes de abrigar tanta utopia! Sem embargo não olho para trás porque o hoje real nasceu das cinzas férteis do ontem. Pelo contrário, não vivo para cobrar contas ou reverberar memórias.

Me causa angústia, e de que maneira, o futuro que não verei, e por ele que me comprometo. Sim, é possível um mundo com uma humanidade melhor, mas talvez hoje a primeira tarefa seja cuidar da vida.

Mas sou do sul e venho do sul, a esta Assembleia, em débito com milhões de compatriotas pobres, nas cidades, nos campos, nas selvas, nos pampas da América Latina, pátria comum que se está construindo.

O BLOQUEIO INÚTIL A CUBA

Venho em débito com as culturas originais esmagadas, com os restos do colonialismo nas Malvinas, com bloqueios inúteis a esse lagarto sob o sol do Caribe que se chama Cuba. Venho em débito com as consequências da vigilância eletrônica que não faz outra coisa que não seja semear desconfiança. Desconfiança que nos envenena inutilmente. Venho em débito com uma gigantesca dívida social, com a necessidade de defender a Amazônia, os mares, nossos grandes rios da América.

Em débito com o dever de lutar por pátria para todos. Para que a Colômbia possa encontrar o caminho da paz, e reconheço o débito de lutar pela tolerância, a tolerância que se precisa com aqueles que são diferentes, e com os que temos diferenças e discordamos. Não se precisa da tolerância para aqueles com quem estamos de acordo.

A TOLERÂNCIA É A PAZ

A tolerância é o fundamento de poder conviver em paz, e entendendo que no mundo somos diferentes. O combate à economia suja, ao narcotráfico, à fraude e à corrupção, pragas contemporâneas embarcadas por este antivalor, esse que sustenta que somos felizes se nos enriquecemos seja como for. Sacrificamos os velhos deuses imateriais. Ocupamos o templo deles com o deus mercado, que nos organiza a economia, a política, os hábitos, a vida e até nos financia em parcelas e cartões, a aparência de felicidade.

Parece que nascemos só para consumir e consumir, e quando não podemos sofremos com a frustração, a pobreza e até a autoexclusão.

O certo hoje é que para gastar e enterrar os detritos nisso que a ciência chama “pegada de carbono”, se aspirássemos nessa humanidade consumir a média consumida por um americano padrão, seriam necessários três planetas para podermos viver.

O DESPERDÍCIO DE VIDA

Quer dizer, nossa civilização montou um desafio mentiroso e assim como vamos, não é possível para todos manter esse sentido de desperdício que se deu à vida. Na verdade, é cada vez mais difundido como uma cultura de nosso tempo, sempre dirigida pela acumulação e pelo mercado.

Prometemos uma vida de extravagância e desperdício, e no fundo ela se constitui em uma contagem regressiva contra a natureza, contra a humanidade como futuro. Civilização contra a simplicidade, contra a sobriedade, contra todos os ciclos naturais.

“CIVILIZAÇÃO” CONTRA O AMOR

Pior: civilização contra a liberdade que supõe ter tempo para viver as relações humanas, o único transcendente, o amor, a amizade, aventura, solidariedade, família. Civilização contra o tempo livre não paga, que não se compra, e que nos permite contemplar e esquadrinhar o cenário da natureza.

Arrasamos a selva, as selvas verdadeiras, e implantamos selvas anônimas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com caminhadores, à insônia com comprimidos, à solidão com equipamentos eletrônicos, porque somos felizes alijados do ambiente humano.

Cabe fazer esta pergunta, fugimos de nossa biologia que defende a vida por si própria, como causa superior, e a suplantamos pelo consumismo em função da acumulação.

A política, eterna mãe do acontecer humano, ficou limitada à economia e ao mercado, de pulo em pulo a política não pode mais do que se perpetuar, e como tal delegou o poder e se entretém, aturdida, lutando pelo governo. Malfadada marcha da história humana, comprando e vendendo tudo, e inovando para poder negociar de algum modo, o que é inegociável. Há marketing para tudo, para os cemitérios, os serviços fúnebres, as maternidades, para pais, para mães, passando pelas secretarias, os carros e às férias. Tudo, tudo é negócio.

No entanto as campanhas de marketing caem deliberadamente sobre as crianças, e sua psicologia para influir sobre os mais velhos e ter no futuro um território assegurado. Sobram provas destas tecnologias bastante abomináveis que as vezes, conduzem às frustrações e muito mais.

O “homenzinho médio” de nossas grandes cidades,vagando entre as financeiras e o tédio rotineiro dos escritórios, as vezes temperados com ar condicionado. Sempre sonha com as férias e a liberdade, sempre sonha em terminar de pagar as contas, até que um dia, o coração para, e adeus. Haverá outro soldado cobrindo as garras do mercado, assegurando a acumulação. A crise se faz impotência, a impotência da política, incapaz de compreender que a humanidade não foge, nem fugirá do sentimento de nação. Sentimento que quase está encrustado em nosso código genético.

UM MUNDO SEM FRONTEIRAS

Hoje, é tempo de começar a esculpir um mundo sem fronteiras. A economia globalizada não tem mais condução do que o interesse privado, de muitos poucos, e cada estado nacional olha sua estabilidade continuista, e hoje a grande tarefa para nossos povos, em minha humilde maneira de ver, é o todo.

Como se isso fosse pouco, o capitalismo produtivo, francamente produtivo, está meio prisioneiro na caixa dos grandes bancos. No fundo são o auge do poder mundial. Mais claro, acreditamos que o mundo demanda a gritos regras globais que respeitem as conquistas da ciência, que abundam. Mas não é a ciência que governa o mundo. São necessárias, por exemplo, uma grande agenda de definições, quantas horas de trabalho e toda a Terra, como converter as moedas, como financiar a luta global por água e contra os desertos.

SOLIDARIEDADE COM OS OPRIMIDOS

Como se recicla e se pressiona contra o aquecimento global? Quais são os limites de cada grande esforço da humanidade? Seria imperioso conseguir consenso planetário para desencadear solidariedade aos mais oprimidos, castigar impositivamente o desperdício e a especulação. Mobilizar as grandes economias, não para criar descartáveis, com obsolescência programada, mas sim com bens úteis, sem fidelidade, para ajudar a levantar aos pobres do mundo. Bens úteis contra a pobreza mundial. Mil vezes mais rentável que fazer guerras. Derrubar um neo-keynesianismo útil de escala planetária para abolir as vergonhas mais flagrantes que existem nesse mundo.

A POLÍTICA E A CIÊNCIA

Talvez nosso mundo necessite de menos organismos mundiais, esses que organizam os foros e conferências, que servem muito às cadeias hoteleiras e às companhias aéreas, no melhor dos casos, mas que ninguém recolhe nada e transforma em decisões…

Necessitamos sim mascar muito o velho e eterno da vida humana junto à ciência, essa ciência que se empenha pela humanidade não para se tornar rica; com eles, com homens de ciência, primeiros conselheiros da humanidade, estabelecer acordos pelo mundo inteiro. Nem os grandes Estados nacionais, nem as transnacionais e muito menos o sistema financeiro deveria governar o mundo humano. Mas sim a alta política entrelaçada com a sabedoria científica, aí está a fonte. Essa ciência que não se importa com o lucro, mas que olha para o futuro e nos diz coisas que não atendemos. Quantos anos faz que nos disseram determinadas coisas que não nos demos por inteirados? Creio que temos que convocar a inteligência ao comando da nave acima da terra, coisas desse estilo e outras que não pude desenvolver nos parecem imprescindíveis, mas requereriam que o determinante fosse a vida, não a acumulação.

NÃO SOMOS TÃO ILUDIDOS

Obviamente, não somos tão iludidos, estas coisas não irão ocorrer, nem outras parecidas. Resta-nos muitos sacrifícios inúteis por diante, muito remendar consequências e não enfrentar as causas. Hoje o mundo é incapaz de criar uma regulação planetária à globalização e isto se dá pelo enfraquecimento da alta política, isso que se ocupa do todo. Por último vamos assistir ao refúgio dos acordos mais ou menos “reclamáveis”, que vão reclamar um mentiroso livre comércio interno, mas que no fundo vão terminar construindo parapeitos protecionistas, supranacionais em algumas regiões do planeta. Por sua vez, vão crescer ramos industriais importantes e serviços, todos dedicados a salvar e melhorar o meio ambiente. Assim vamos nos consolar por um tempo, vamos estar entretidos e naturalmente tudo vai continuar como está para manter a rica a acumulação, para regojizo do sistema financeiro.

IR CONTRA A ESPÉCIE

Continuaram as guerras e portanto os fanatismos até que talvez a mesma natureza chame a ordem e faça inviável nossas civilizações. Talvez nossa visão seja demasiado crua, impiedosa e vemos o homem como uma criatura única, a única que há sobre a terra capaz de ir contra sua própria espécie. Volto a repetir, porque alguns chamam a crise ecológica do planeta, é consequência do triunfo avassalador da ambição humana. Esse é nosso triunfo, também nossa derrota, porque temos impotência política de enquadrarmos em uma nova época. E contribuímos a construir nos damos conta.

Por quê digo isso? São dados nada mais. O certo é que a população se quadruplicou e o PIB cresceu pelo menos vinte vezes no último século. Desde 1990 aproximadamente a cada seis anos se duplica o comércio mundial. Poderíamos seguir anotando os dados que estabelecem a marcha da globalização. O que está ocorrendo conosco? Entramos em outra época aceleradamente mas com políticos, enfeites culturais, partidos, e jovens, todos velhos diante da pavorosa acumulação de mudanças que nem sequer pudemos registrar. Não podemos manejar a globalização, porque nosso pensamento não é global. Não sabemos se é uma limitante cultural ou estamos chegando aos limites biológicos.

OS EFEITOS DA GANÂNCIA

Nossa época é portentosamente revolucionária como não conheceu a história da humanidade. Mas não tem condução consciente, ou menos, condução simplesmente instintiva. Muito menos, todavia, condução política organizada porque nem sequer temos tido filosofia precursora ante a velocidade das mudanças que se acumularam.

A ganância, tão negativa e tão motor da história, isso que empurrou o progresso material técnico e científico, que fez aquilo que é nossa época e nosso tempo e um fenomenal avanço em muitas frentes, paradoxalmente, essa mesma ferramenta, a ganância que nos empurrou a domesticar a ciência e transformá-la em tecnologia nos precipita a um abismo brumoso. A uma história que não conhecemos, a uma época sem história e estamos ficando sem olhos nem inteligência coletiva para seguir colonizando e perpetuarmos transformando-nos.

O QUE É O TODO?

Porque se uma característica tem este bichinho humano, é que é um conquistador antropológico. Parece que as coisas tomam autonomia e as coisas submetem aos homens. Por um lado ou outro, sobram ativos para vislumbrar essas coisas e em todo caso, vislumbrar o rumo. Mas nos é impossível coletivizar decisões globais por esse todo. Mais claro, a ganância individual triunfou grandemente sobre a ganância superior da espécie. Esclarecemos: o que é o todo? O que é essa palavra que utilizamos?

Para nós é a vida global do sistema terra incluindo a vida humana com todos os equilíbrios frágeis que fazem possível que nos perpetuemos. Por outro lado, mais fácil, menos opinável e mais evidente. Em nosso ocidente, particularmente, porque daqui viemos ainda que venhamos do sul, as repúblicas que nasceram para afirmar que os homens somos iguais, que ninguém é mais do que ninguém, que seus governos deveriam representar o bem comum, a justiça e a equidade. Muitas vezes, as repúblicas se deformam e caem em esquecimento da gente corrente, a que anda pelas ruas, o povo comum.

As repúblicas não foram criadas para vegetar em cima do rebanho, mas sim o contrário, são um grito na história para fazer funcionais à vida dos próprios povos e, portanto, as repúblicas se devem às maiorias e a lutar pela promoção das maiorias.

A CULTURA CONSUMISTA

Pelo que for, por reminiscências feudais que estão aí em nossa cultura; pelo classismo dominador, talvez pela cultura consumista que nos rodeia a todos, as repúblicas frequentemente em suas direções adotam um viver cotidiano que exclui, que coloca distância com o homem da rua.

De fato, esse homem da rua deveria ser a causa central da luta política na vida das repúblicas. Os governos republicanos deveriam se parecer cada vez mais a seus respectivos povos na forma de viver e na forma de se comprometer com a vida.

O fato é que cultivamos arcaísmos feudais, cortesanismos consentidos, fazemos diferenciações hierárquicas que no fundo minam o melhor que existe nas repúblicas: que ninguém é mais do que ninguém. O jogo destes e outros fatores nos retém na pré-história. E hoje é impossível renunciar a guerra quando a política fracassa. Assim se estrangula a economia, desperdiçamos recursos.

DOIS MILHÕES POR MINUTO

Escutem bem, queridos amigos: em cada minuto do mundo se gastam dois milhões de dólares com orçamento militar nesta terra. Dois milhões de dólares por minuto com orçamento militar!! Na pesquisa médica (de todas as doenças que avançaram grandemente, e é uma benção para a promessa de viver alguns anos mais), essa pesquisa apenas equivale a quinta parte da pesquisa militar.

Este processo do qual não podemos sair, é cego. Assegura ódio e fanatismo, desconfiança, fonte de novas guerras e isto também, desperdício de fortunas. Eu sei que é muito fácil, poeticamente, autocriticarmos, pessoalmente. E creio que seria uma inocência nesse mundo desejar que ali existam recursos para economizar e gastar em outras coisas úteis. Isso seria possível, outra vez, se fossemos capazes de exercitar acordos mundiais e prevenções mundiais de políticas planetárias que nos garantissem a paz e que deem, aos mais fracos, garantias que não temos. Aí haveria enormes recursos para recortar e atender as maiores vergonhas sobre a Terra. Mas basta uma pergunta: nesta humanidade, hoje, aonde se iria sem a existência dessas garantias planetárias? Então cada país faz acordos de armas conforme sua magnitude e aí estamos porque não podemos pensar como espécie, mas apenas como indivíduos.

As instituições mundiais, particularmente hoje vegetam à sombra consentida das dissidências das grandes nações que, obviamente, querem reter sua cota de poder.

O PAPEL DA ONU

Bloqueiam a essa ONU que foi criada com uma esperança e como um sonho de paz para a humanidade. Mas pior ainda, a desassociaram da democracia no sentido planetário porque não somos iguais. Não podemos ser iguais em um mundo onde existem mais fortes e mais fracos. Por tanto esta é uma democracia planetária ferida que está cerceando a história de um possível acordo de paz mundial, militante, combativo e que verdadeiramente exista. E então, curamos doenças lá onde elas eclodem e se apresentam segundo parecem a algumas das grandes potencias. Os demais olhamos de longe. Não existimos.

Amigos, eu creio que é muito difícil inventar uma força pior que o nacionalismo chauvinista das grandes potencias. A força que é liberadora dos fracos. O nacionalismo, pai dos processos de descolonização, que é formidável para os fracos, se transforma em uma ferramenta opressora nas mãos dos fortes e que, nos últimos 200 anos, tivemos exemplos por todas as partes.

NOSSO PEQUENO EXEMPLO

A ONU, nossa ONU definha, se burocratiza por falta de poder e de autonomia, de reconhecimento e sobretudo de democracia em direção aos mais fracos que constituem a maioria absoluta do planeta. Dou um pequeno exemplo, pequenino. Nosso pequeno país tem em termos absolutos, a maior quantidade de soldados em missões de paz dos países da América Latina espalhados pelo mundo. E lá estamos, onde nos pedem que estejamos.

Mas somos pequenos, fracos. Onde se repartem os recursos e se tomam as decisões, não entramos nem para servir o café. No mais profundo de nosso coração, existe um enorme anseio de ajudar para que o homem saia da pré-história. Eu defino que o homem enquanto viva em clima de guerra, está na pré-história, apesar dos muitos artefatos que possa construir.

AS SOLIDÕES DA GUERRA

Até que o homem não saia desta pré-história e arquive a guerra como recurso quando a política fracassa, essa é a longa marcha e o desafio que temos por diante. E o dizemos com conhecimento de causa. Conhecemos as tristezas da guerra. No entanto, esses sonhos, esses desafios que estão no horizonte implica lutar por uma agenda de acordos mundiais que comecem a governar nossa história e superar passo a passo, as ameaças à vida. A espécie como tal, deveria existir um governo para a humanidade que supere o individualismo e lute por recriar cabeças políticas que trilhe o caminho da ciência e não apenas aos interesses imediatos que não estão governando e afogando.

Paralelamente temos que entender que os indigentes do mundo não são da África ou da América Latina, são de toda a humanidade e esta deve como tal, globalizada, tender a empenhar-se em seu desenvolvimento, para que possam viver com decência por conta própria. Os recursos necessários existem, estão nesse desperdício depredador de nossa civilização.

A BOMBA DE 100 ANOS

Há poucos dias fizeram ali, na Califórnia, em um corpo de bombeiros, uma homenagem a uma bombinha elétrica que há 100 anos está ligada. Cem anos que está ligada, amigo! Quantos milhões de dólares nos tiraram do bolso fazendo deliberadamente porcarias para que as pessoas comprem, comprem e comprem.

Mas esta globalização de olhar para todo o planeta e por toda a vida significa uma mudança cultural brutal. É o que nos está requerendo a história. Toda a base material mudou e oscilou, e os homens, com nossa cultura, permanecemos como se não houvesse ocorrido nada e em lugar de governar a civilização, esta é que nos governa. Há mais de 20 anos que discutíamos a humilde taxa Tobin. Impossível aplicá-la ao nível do planeta. Todos os bancos do poder financeiro se levantam feridos em sua propriedade privada e que sei lá eu quantas coisas mais. No entanto, isso é o paradoxal. No entanto, com talento, com trabalho coletivo, com ciência, o homem passo a passo é capaz de transformar em verde aos desertos.

O HOMEM É CAPAZ

O homem pode levar a agricultura ao mar. O homem pode criar vegetais que vivam com água salgada. A força da humanidade se concentra no essencial. É incomensurável. Ali estão as mais portentosas fontes de energia. Que sabemos da fotossíntese? Quase nada. A energia no mundo sobra se trabalharmos para usá-la com ela. É possível extirpar toda a indigência do planeta. É possível criar estabilidade e será possível às gerações futuras, se lograrmos começar a pensar como espécie e não só como indivíduo, levar a vida à galaxia e seguir com esse sonho conquistador que nós, seres humanos, levamos em nossos genes.

Mas para que todos esses sonhos sejam possíveis, necessitamos governarmos a nós mesmos ou sucumbiremos porque não somos capazes de estar a altura da civilização que fomos desenvolvendo.

Este é nosso dilema. Não nos entretenhamos apenas remendando consequências. Pensemos nas causas de fundo, na civilização do desperdício, na civilização do use-tire que o que está tirando é tempo da vida humana mal gasto, derrotando questões inúteis. Pensem que a vida humana é um milagre. Que estamos vivos por milagre e nada vale mais do que a vida. E que nosso dever biológico acima de todas as coisas é respeitar a vida e impulsioná-la, cuidar dela, procriá-la e entender que a espécie é a nossa gente.

Obrigado.

Madonna sings Elliott Smith

Gorgeous...


Between The Bars

Drink up baby, stay up all night
With the things you could do, you won't but you might
The potential you'll be that you'll never see
The promises you'll only make

Drink up with me now, and forget all about
The pressure of days, do what I say
And I'll make you okay, drive them away
The images is stuck in your head

People you've been before
That you don't want around anymore
They push and shove and won't bend to your will
I'll keep them still

Drink up baby, look at the stars
I'll kiss you again between the bars
Where I'm seeing you there with your hands in the air
Waiting to finally be caught

Drink up one more time and I'll make you mine
Keep you apart, deep in my heart
Separate from the rest where I like you the best
And keep the things you forgot

People you've been before
That you don't want around anymore
They push and shove and won't bend to your will
I'll keep them still

Por Entre As Barras

Acabe sua bebida, baby, fique acordada a noite toda
As coisas que você pode fazer, você não vai, mas deveria
O potencial que você terá e que nunca verá
As promessas que você apenas fará

Acabe essa bebida comigo agora e esqueça toda
A pressão dos dias, faça o que eu digo
E eu te deixarei bem, e manterei afastadas
As imagens presas na sua cabeça

Pessoas com as quais você esteve antes,
Que você não quer mais ao seu redor
Que insistem e forçam e não se curvarão à sua vontade
Eu as manterei quietas

Acabe a bebida baby, olhe as estrelas,
Eu te beijarei novamente por entre as barras
Onde estou te vendo lá, com suas mãos no ar,
Esperando para finalmente ser pega

Acabe a bebida mais uma vez e eu vou te fazer minha
Manterei você distante, dentro do meu coração,
Separada do resto onde eu gosto mais de você
E manterei as coisas que você esqueceu

Pessoas com quem você esteve antes,
Que você não quer mais ao seu redor
Que insistem e forçam e não se curvarão à sua vontade
Eu as manterei em quietas

Abraço melancólico a todos,
Marcos Eça.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

PROCRASTINAÇÃO

Deixa para depois


A procrastinação não é exclusividade do ambiente profissional; crianças e adolescentes também enfrentam esse problema na escola e ajudá-los é uma tarefa do educador


Deborah Ouchana

Quem nunca passou horas em frente à televisão enquanto deveria estar escrevendo um trabalho? Quem nunca ficou com raiva de si mesmo por ter adiado uma tarefa importante sem, aparentemente, nenhuma justificativa? Ou ainda, quem nunca disse que só consegue trabalhar sob pressão, com prazos curtíssimos? Ao contrário do que pode parecer, adiar atividades e compromissos não é um problema individual, mas um comportamento comum a todos e que tem nome: procrastinação.
As pesquisas referentes à procrastinação dão maior evidência ao seu impacto na vida profissional, entretanto, na maioria dos casos esse comportamento começa no próprio ambiente escolar e consequentemente se repete no ensino superior e na carreira profissional.
Estudar uma noite antes da prova, acumular lições de casa ou escrever o trabalho que deveria ser feito ao longo de um mês em apenas um dia são comportamentos recorrentes no cotidiano de estudantes do ensino fundamental e médio. Os procrastinadores costumam ser tachados de preguiçosos, mas psicólogos alertam que procrastinação não é sinônimo de ócio; significa simplesmente realizar outras atividades menos importantes no lugar da pretendida.
De modo geral, a procrastinação escolar é uma disfunção dos processos de autorregulação da aprendizagem. "A autorregulação é um tipo de aprendizagem onde eu moldo meus comportamentos em direção a determinado objetivo. O aluno que procrastina faz uma planificação inadequada das tarefas e não consegue proteger dos distratores sua intenção de terminar determinada atividade", explica Pedro Rosário, psicólogo e professor na Escola de Psicologia da Universidade do Minho, em Portugal, e coordenador do Grupo Universitário de Investigação em Auto-Regulação.
Além do mau gerenciamento do tempo, a psicóloga e mestre em Educação Rita Karina Sampaio aponta que as pessoas tendem a protelar atividades que consideram desagradáveis ou as quais não se julgam boas o suficiente para realizar. A resposta para a ansiedade diante das provas, por exemplo, pode ser o adiamento do estudo. "O medo de falhar faz com que as pessoas usem o que chamamos de estratégias auto-prejudicadoras para que essas crenças não se concretizem de fato", diz.
A psicóloga conta que a maior parte dos alunos entrevistados para sua dissertação de mestradoProcrastinação acadêmica e autorregulação da aprendizagem em estudantes universitários, defendida na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pontuou que já procrastinava na escola. O dado traz um questionamento incômodo: se a procrastinação é um problema que vem desde a educação básica, por que ela não é identificada e combatida desde o princípio?
Uma das justificativas pode ser a falta de ferramentas para relacionar a procrastinação ao rendimento escolar. Segundo Rita, o professor pode ter em sala de aula uma criança com boas notas, mas que depois de uma semana da avaliação não vai se lembrar mais do que escreveu, já que pessoas que têm o hábito de procrastinar encontram mais dificuldade em estabelecer estratégias de aprendizagem profundas.
Por isso ela defende que os professores da educação básica precisam ensinar as crianças e adolescentes a gerenciar seu tempo. "São necessárias uma orientação e regulação externas. Alguém para refletir com o aluno o melhor horário para fazer a lição de casa, onde ela deve ser feita, como a agenda deve ser organizada. Tarefas com prazos muito longos, por exemplo, precisam ser divididas em metas para o aluno não se perder", avalia.
PrevençãoO ditado popular não engana: mais vale prevenir do que remediar. Com esse intuito, o psicólogo Pedro Rosário criou o projeto Sarilhos do Amarelo: promoção da autorregulação em crianças sub10, o irmão mais novo de uma série de ferramentas educativas desenvolvidas pela equipe de investigação em autorregulação da Universidade do Minho em parceria com professores da Universidade de Oviedo, em Portugal.
A ideia é promover competências de autonomia e autorregulação da aprendizagem o mais cedo possível para ajudar as crianças a driblar, ou até mesmo evitar, a procrastinação e capitanear o aprender. "A autorregulação permite que o estudante desempenhe um papel ativo na aprendizagem, pesquisando, questionando, lendo, resolvendo problemas. Ou seja, indo além dos conteúdos concretos relativos às disciplinas", esclarece Rosário.
O projeto está ancorado na história das sete cores do arco-íris e dos demais seres que habitam o Bosque-sem-Fim. Certo dia, o Amarelo desaparece e seus irmãos saem em uma aventura em busca da cor. A história é escrita de forma que os professores possam trabalhar estratégias de aprendizagem com as crianças, como estabelecimento de objetivos, organização do tempo, trabalho em grupo, monitoramento das tarefas, tomada de decisões e avaliação dos processos.
Em determinado momento da jornada, por exemplo, as cores do arco-íris encontram a Formiga-General, que introduz o conceito PLEA (Planejamento, Execução e Avaliação). Ali, aprendem que para encontrar a cor desaparecida elas teriam primeiro que planejar suas ações, distribuir o tempo total pelas tarefas, monitorar a execução do plano e, por fim, avaliar se cumpriram seus objetivos a cada etapa concluída.
É importante lembrar que mesmo as crianças autorreguladoras não devem ser deixadas sozinhas no processo de ensino-aprendizagem. Pelo contrário, elas também devem buscar e encontrar o apoio necessário para alcançarem satisfatoriamente seus objetivos, de modo que o trabalho desenvolvido pelo projeto Sarilhos do Amarelo seja articulado não só pelos educadores, mas também pelas famílias.

O projeto foi publicado no Brasil com o título As travessuras do Amarelo, pela editora Adonis. Além do livro direcionado para as crianças, os autores colocaram à disposição de professores e pais um guia com orientações no site http://www.portoeditora.pt/pdf/CPGL_SA_96999_10N.pdf


Abraço a todos,
Marcos Eça.

Uma lição de discriminação


Bom, muito bom...

Abraço a todos,
Marcos Eça.

RITUAL DE PASSAGEM (RIDE OF PASSAGE)

FANTÁSTICO...

Ritual de passagem: quando a fidelidade supera a ambição

Ritual de passagem: quando a fidelidade supera a ambição
Linda animação sobre um dos valores mais perdidos na atualidade: a fidelidade.


Abraço fidelíssimo a todos,
Marcos Eça.

Comercial da Air France: genial

M A G N Í F I C O . . .


Abraço com vontade de ir pra Paris,
Marcos Eça

domingo, 15 de setembro de 2013

Historietas Assombradas (para crianças malcriadas)

Genial...


Abraço de vovozinha a todos,
Marcos Eça.

A sorte em suas mãos - Daniel Burman

La Suerte en sus manos – Daniel Burman



1) Sorte no amor, azar no jogo.

2) Um filme em que há momentos de delicadeza: os dois na piscina de bolinhas (eu sempre quis fazer isso), dentro da bola/bolha de ar no tanque de água, quando ele sai do cassino e “rouba” os peixinhos pra levar a sua filha...

3) momentos divertidos: ser um aficionado por motéis (as cenas das toalhas como se fossem origamis são ótimas: cisnes, elefantes...), a questão da vasectomia (não poder transar e perder o momento/encontro), mas como tudo parece ser um jogo ele “cruza” com Glória novamente no cassino, depois no parque...

4) a questão judaica (na Argentina há muitos judeus)? Em “Valentín” esse tema também é levantado (o menino tem o estereótipo de que os judeus não são boa gente, mas seu vizinho é judeu e é boa gente).

5) A volta de Trova Rosarina...

6) é um belo filme...  

7) “Glória e Uriel se esbarram entre dúvidas, saldos do passado e âncoras a arrastar. Mas são unidos pelo desejo, que Burman narra tendo, em seus bastidores, o rock da Trova Rosarina (geração de músicos de Rosário, dos anos 1980) e uma reflexão sobre o dom de sorrir.”

Abraço pós-grupo-cinema-paradiso,
Marcos Eça.

sábado, 14 de setembro de 2013

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Modernidade triste?

Modernidade triste?

Contardo Calligaris

No século 4 da nossa era, nos mosteiros da Europa, a tristeza, "accidia" em latim, era considerada pecado grave, e as regras monásticas se esforçavam para identificá-la e combatê-la. Mesmo assim, muitos monges continuavam tristes.
A Europa era uma desolação. Das janelas de seus oásis de (relativa) tranquilidade, os monges podiam enxergar o horror. A cultura clássica, grega e romana, era esquecida --ignorada pela imensa maioria de iletrados ou perdida no descaso pelos manuscritos antigos. O desabamento do Império Romano transformara o território em uma terra de ninguém, em que o poder ficava com as hordas de mercenários e bandidos ocasionais. Suficiente para qualquer um ficar triste.
Mas talvez haja uma razão menos contingente para a tristeza aparecer como uma nova aflição, bem na hora em que a cultura clássica deixava seu lugar ao cristianismo. É irônico, aliás, que a dita tristeza ameaçasse logo os monges, que eram guardiões dos textos gregos e romanos que sobravam, mas que também praticavam o palimpsesto -- a arte de apagar os manuscritos antigos para usar os pergaminhos novamente, copiando os textos da nova religião.
Note-se também que, desde a acídia dos monges, a tristeza parece ter se tornado um traço distintivo da cultura ocidental e, especificamente, da modernidade, do "spleen" romântico até a depressão clínica, hoje diagnosticada a esmo. Por que, então, seríamos culturalmente tristes?
Naquele momento, no século 4, morria uma cultura para a qual o que importava era viver o momento, e nascia outra, para a qual nossa vida era apenas uma provação, pela qual ganharíamos ou perderíamos a chance de uma suposta eternidade feliz.
Desde então, é como se a vida que importa nunca mais fosse a que estamos vivendo; o pátio de casa não basta, somos infelizes e insatisfeitos porque a vida "verdadeira" nos espera lá onde ainda não chegamos.
A cultura clássica, que morria, tinha valorizado um estilo de vida norteado por um uso discreto e constante dos deleites da mente e da carne. A cultura cristã, que nascia, apontava no prazer um parente do vício e valorizava o sacrifício e a renúncia, como se Deus tivesse um apreço por nosso sofrimento.
Não sei por que Deus reconheceria algum mérito nas renúncias da gente. Freud responderia, provavelmente, que esta é a função social da religião: controlar nossos impulsos, impondo as renúncias que são necessárias para que a convivência social se torne possível. Muitos iluministas pensaram a mesma coisa.
Graças ao cristianismo, ao considerar castigos e recompensas na eternidade, nós nos tornaríamos governáveis -- sem medo do além, não haveria convívio possível (o paradoxo aqui é que essa consideração não inibiu a própria Igreja, que durante séculos e séculos foi uma instituição de crueldade inaudita).
A cultura clássica (Epicuro, por exemplo) preferia tratar os humanos como adultos e apostar que eles se disciplinariam sem ter que acreditar em um além e sem precisar de um mercado de punições e prêmios eternos: a consciência da finitude da vida seria suficiente para torná-los comedidos e dignos.
Em um jantar na casa de Thérèse Parisot, em dezembro de 1970 (sei a data pois a conversa foi sobre as condenações dos processos de Burgos), Jacques Lacan, o psicanalista francês, chegou com um pequeno volume in-octavo. Era um panfleto anônimo, segundo o qual o verdadeiro messias não era Cristo, mas Epicuro (peço que se manifestem os bibliófilos que reconhecerem o livro). Certamente, a obra era a provocação de um libertino dos séculos 17 ou 18.
Mas a questão continua valendo: será que uma modernidade seria possível sem a desvalorização do momento presente e sem a repulsa ao prazer que são partes da mensagem cristã e que talvez sejam a fonte de nossa tristeza crônica?
Qual modernidade seria possível com Epicuro, e não contra ele? Somos modernos graças ao cristianismo ou somos modernos graças ao materialismo e à disciplina dos prazeres que atravessaram a modernidade perseguidos e silenciados pelo cristianismo?
Para inventar uma resposta, um livro imperdível: dos ensaios que li nos últimos 15 anos, nenhum me prendeu e me tocou tanto quanto "A Virada, o Nascimento do Mundo Moderno", de Stephen Greenblatt.


Abraço pensante a todos,
Marcos Eça.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Crime e preconceito: mães e filhos de santo são expulsos de favelas por traficantes evangélicos

Crime e preconceito: mães e filhos de santo são expulsos de favelas por traficantes evangélicos

A roupa branca no varal era o único indício da religião da filha de santo, que, até 2010, morava no Morro do Amor, no Complexo do Lins. Iniciada no candomblé em 2005, ela logo soube que deveria esconder sua fé: os traficantes da favela, frequentadores de igrejas evangélicas, não toleravam a “macumba”. Terreiros, roupas brancas e adereços que denunciassem a crença já haviam sido proibidos, há pelo menos cinco anos, em todo o morro. Por isso, ela saía da favela rumo a seu terreiro, na Zona Oeste, sempre com roupas comuns. O vestido branco ia na bolsa. Um dia, por descuido, deixou a “roupa de santo” no varal. Na semana seguinte, saía da favela, expulsa pelos bandidos, para não mais voltar.
— Não dava mais para suportar as ameaças. Lá, ser do candomblé é proibido. Não existem mais terreiros e quem pratica a religião, o faz de modo clandestino — conta a filha de santo, que se mudou para a Zona Oeste.
A situação da mulher não é um ponto fora da curva: já há registros na Associação de Proteção dos Amigos e Adeptos do Culto Afro Brasileiro e Espírita de pelo menos 40 pais e mães de santo expulsos de favelas da Zona Norte pelo tráfico. Em alguns locais, como no Lins e na Serrinha, em Madureira, além do fechamento dos terreiros também foi determinada a proibição do uso de colares afro e roupas brancas. De acordo com quatro pais de santo ouvidos pelo EXTRA, que passaram pela situação, o motivo das expulsões é o mesmo: a conversão dos chefes do tráfico a denominações evangélicas.
Atabaques proibidos na Pavuna
A intolerância religiosa não é exclusividade de uma facção criminosa. Distante 13km do Lins e ocupada por um grupo rival, o Parque Colúmbia, na Pavuna, convive com a mesma realidade: a expulsão dos terreiros, acompanhados de perto pelo crescimento de igrejas evangélicas. Desinformada sobre as “regras locais”, uma mãe de santo tentou fundar, ali, seu terreiro. Logo, recebeu a visita do presidente da associação de moradores que a alertou: atabaques e despachos eram proibidos ali.
—Tive que sair fugida, porque tentei permanecer, só com consultas. Eles não gostaram — afirma.
A situação já é do conhecimento de pelo menos um órgão do governo: o Conselho Estadual de Direitos do Negro (Cedine), empossado pelo próprio governador. O presidente do órgão, Roberto dos Santos, admite que já foram encaminhadas denúncias ao Cedine:
— Já temos informações desse tipo. Mas a intolerância armada só pode ser vencida com a chegada do estado a esses locais, com as UPPs.
O deputado estadual Átila Nunes (PSL) fez um pedido formal, na última sexta-feira, para que a Secretaria de Segurança investigue os casos.
— Não se trata de disputa religiosa mas, sim, econômica. Líderes evangélicos não querem perder parte de seus rebanhos para outras religiões, e fazem a cabeça dos bandidos — afirma.
Nas favelas, os ‘guerreiros de Deus’
Fernando Gomes de Freitas, o Fernandinho Guarabu, chefe do tráfico no Morro do Dendê, ostenta, no antebraço direito, a tatuagem com o nome de Jesus Cristo. Pela casa, Bíblias por todos os lados. Já em seus domínios, reina o preconceito: enquanto os muros da favela foram preenchidos por dizeres bíblicos, os dez terreiros que funcionavam no local deixaram de existir.
Guarabu passou a frequentar a Assembleia de Deus Ministério Monte Sinai em 2006 e se converteu. A partir daí, quem andasse de branco pela favela era “convidado a sair”. Os pais de santo que ainda vivem no local não praticam mais a religião.
A situação se repete na Serrinha, ocupada pela mesma facção. No último dia 22, bandidos passaram a madrugada cobrindo imagens de santos nos muros da favela. Sobre a tinta fresca, agora lê-se: “Só Jesus salva”.
O babalaô Ivanir dos Santos, representante da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), criada justamente após casos de intolerância contra religiões afro-brasileiras em 2006, afirma que os casos serão discutido pelo grupo, que vai pressionar o governo e o Ministério Público para que a segurança do locais seja garantida e os responsáveis pelo ato sejam punidos. “Essas pessoas são criminosas e devem ser punidas. Cercear a fé é crime”, diz o pai de santo.
Lei mais severa
Desde novembro de 2008, a Polícia Civil considera como crimes inafiançáveis invasões a templos e agressões a religiosos de qualquer credo a Lei Caó. A partir de então, passou a vigorar no sistema das delegacias do estado a Lei 7.716/89, que determina que crimes de intolerância religiosa passem a ser respondidos em Varas Criminais e não mais nos Juizados Especiais. Atualmente, o crime não prescreve e a pena vai de um a três anos de detenção.
Filha de santo, que foi expulsa do Lins: ‘Não suportava mais fingir ser o que não era’.
— Me iniciei no candomblé em 2005. A partir de minha iniciação, comecei a ter problemas com os traficantes do Complexo do Lins. Quando cheguei à favela de cabeça raspada, por conta da iniciação, eles viravam o rosto quando eu passava. Com o tempo, as demostrações de intolerância aumentaram. Quando saía da favela vestida de branco, para ir ao terreiro que frequento, eles reclamavam. Um dia, um deles veio até a minha casa e disse que eu estava proibida de circular pela favela com aquelas “roupas do demônio”. As ameaças chegaram ao ponto de proibirem que eu pendurasse as roupas brancas no varal. Se eu desrespeitasse, seria expulsa de lá. No fim de 2010, dei um basta nisso. Não suportava mais fingir ser o que eu não era e saí de lá.
Mãe de santo há 30 anos, expulsa da Pavuna: ‘Disseram que quem mandava ali era o ‘Exército de Jesus”.
— Comprei, em 2009, um terreno no Parque Colúmbia, na Pavuna. No local,. não havia nada. Mas eu queria fundar um terreiro ali e comecei a construir. No início, só fazia consulta, jogava búzios e recebia pessoas. Não fazia festas nem sessões. Não andava de branco pelas ruas nem tocava atabaque, para não chamar a atenção. Um dia, o presidente da associação de moradores foi até o local e disse que o tráfico havia ordenado que eu parasse com a “macumba”. Ali, quem mandava na época era a facção de Acari. Já era mais de santo há 30 anos e não acreditei naquilo. Fui até a boca de fumo tentar argumentar. Dei de cara com vários bandidos com fuzis, que disseram que ali quem mandava era o “Exército de Jesus”. Disse que tinha acabado de comprar o terreno e que não iria incomodar ninguém. Dias depois, cheguei ao terreiro e vi uma placa escrito “Vende-se” na porta — eles tomaram o terreno e o puseram a venda. Não podia fazer nada. Vendi o terreno o mais rapidamente possível por R$ 2 mil e fui arrumar outro lugar.


Abraço não-preconceituoso,
Marcos Eça.


domingo, 8 de setembro de 2013

Bill Gates: “En cinco años las mejores clases del planeta estarán en la web”

Bill Gates: “En cinco años las mejores clases del planeta estarán en la web”

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

TOM AT THE FARM+XAVIER DOLAN

Novo longa-metragem de Xavier Dolan: Tom à la ferme, Tom at the farm, Tom na fazenda...


Adoro sua linguagem, sua estética.

Abraço dolaniano a todos,
Marcos Eça.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Se ouvir “Eu não sou preconceituoso, mas…”, corra para longe

Leonardo Sakamoto

Eu não sou preconceituoso, mas…
Esta frase é deliciosa. Não é um aviso de “olha, não encare isso como preconceito”, mas um alerta. Do tipo “segura, que lá vem um preconceito”. A ressalva, completamente inútil, serve, pelo contrário, para reforçar que a pessoa em questão é exatamente aquilo pelo qual não gostaria de ser tomada.
Cultivamos nosso medo e ódio, mas, às vezes, pega mal expressá-los em público assim, tão abertamente. Porque pode ser visto como crime ou delito. Ou ser alvo de críticas  - mesmo que os críticos compartilhem da mesma visão de mundo. E, além do mais, como todos sabemos, o Brasil é o país da alegre miscigenação, em que todos são considerados iguais em direitos. Os que discordam disso devem se mudar ou levar um corretivo para deixarem de serem bestas. É isso: ame-o ou deixe-o.
É engraçado como o preconceituoso não se vê como tal. Quem solta um “Eu não sou preconceituoso, mas…” separa essa palavra de seu significado e pensa o preconceito como algo abstrato, etéreo. Uma ideia que não teria nada a ver com tratar pessoas de forma diferente ou fazer um julgamento prévio de seu caráter devido à sua classe social, orientação sexual, cor de pele, etnia, nacionalidade, identidade de gênero, pela presença de alguma deficiência e por aí vai.
Dizem que falta informação e, por isso, temos uma sociedade que pensa de forma tão tacanha. Que não temos contato com o “outro” e, portanto, continuamos a temê-lo e a achar que ele é um risco à nossa existência. Conscientizar sobre isso passa por estimular a vivência comum na sociedade, pela tentativa do conhecimento do outro. Tolerância é bom. Porém, legal mesmo não é apenas tolerar, mas acreditar que as diferenças tornam o mundo mais interessante e rico do que uma monotonia monocromática a que estamos subjugados pela religião, pela tradição, pelo preconceito…
E cabe tanta abobrinha em um “Eu não sou preconceituoso, mas…” que ele se tornou o novo “Amar é…”, presente naqueles livrinhos simpáticos da minha infância.
Duvida?
Eu não sou preconceituoso, mas bandido bom é bandido morto.
Eu não sou preconceituoso, mas baiano é foda. Quando não faz na entrada faz na saída.
Eu não sou preconceituoso, mas mulher no volante é um perigo.
Eu não sou preconceituoso, mas tenho medo desses escurinhos mal encarados qe pedem dinheiro no semáforo.
Eu não sou preconceituoso, mas cigano é tudo vagabundo.
Eu não sou preconceituoso, mas os gays podiam não se beijar em público. Assim, eles atraem a violência para eles.
Eu não sou preconceituoso, mas acho o ó ter um terreiro de macumba na nossa rua.
Eu não sou preconceituoso, mas é aquela coisa: não estudou, vira lixeiro.
Eu não sou preconceituoso, mas não gostaria de ver minha filha casada com um negro. Não por ele, é claro, mas eles sofreriam muito preconceito.
Eu não sou preconceituoso, mas esses sem-teto são todos vagabundos.
Eu não sou preconceituoso, mas chega de terra para índio, né? Se eles ainda produzissem para o país, mas nem isso acontece.
Eu não sou preconceituoso, mas esses mendigos deviam ir para a periferia onde não incomodariam ninguém.
Eu não sou preconceituoso, mas sabe como é esse pessoal de esquerda. É tudo petralha.
Eu não sou preconceituoso, mas sabe como é pessoal da direito. É tudo tucanalha.
Eu não sou preconceituoso, mas São Paulo é São Paulo, né amiga? Não é Fortaleza.
Eu não sou preconceituoso, mas esse aeroporto tá parecendo uma rodoviária.
Eu não sou preconceituoso, mas adoro esse shopping. Só tem gente bonita por aqui.
Eu não sou preconceituoso, mas sobe o vidro, amor. Você não tá nos Jardins.
Eu não sou preconceituosa, mas vocês não acham que essas médicas cubanas têm cara de empregada doméstica?

Cuidado, seja sutil. Preconceito é para ser dito, repetido e aplicado, mas com naturalidade. Diluído no dia a dia, aparece como uma forma de manter a ordem das coisas e de lembrar quem manda. E quem obedece.
Touché!
Abraço não-preconceituoso a todos,
Marcos Eça. 

domingo, 1 de setembro de 2013

FLORES RARAS, anotações...

FLORES RARAS



- O que me chamou a atenção é o fato de aquela fortaleza de mulher se tornar tão frágil, tão “fraca” após o término de sua relação com Elisabeth. Talvez eu espere uma linearidade da personagem... Pessoas muito fortes, podem esconder uma certa fraqueza. Talvez seja o caso de Lota.

Você Nunca Disse Eu te Amo, Flores Raras antes do 63º Festival de Berlim e volta agora a usar o primeiro nome

1951, Nova York. Elizabeth Bishop (Miranda Otto) é uma poetisa insegura e tímida, que apenas se sente à vontade ao narrar seus versos para o amigo Robert Lowell (Treat Williams). Em busca de algo que a motive, ela resolve partir para o Rio de Janeiro e passar uns dias na casa de uma colega de faculdade, Mary (Tracy Middendorf), que vive com a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares (Glória Pires). A princípio Elizabeth e Lota não se dão bem, mas logo se apaixonam uma pela outra. É o início de um romance acompanhado bem de perto por Mary, já que ela aceita a proposta de Lota para que adotem uma filha.

Esse projeto começou anos atrás, quando a sua mãe, Lucy, comprou os direitos do livro Flores Raras e Banalíssimas, de Carmem Lúcia de Oliveira. Mas como você se interessou pela história? Minha mãe comprou os direitos em meados da década de 1990 e propôs o filme a mim e ao Hector Babenco. Mas nenhum dos dois se interessou na época, eu nem li o livro. Em 2004, minha ex-mulher (a atriz Amy Irving), fez Um Porto para Elizabeth Bishop, monólogo da Marta Góes, nos Estados Unidos. Comecei a achar interessante, fiquei ruminando aquela ideia. Não sabia ainda para que contar a história. Em 2008, depois de Última Parada 174 e de ter me divorciado da Amy – nada acontece por acaso –, vi que queria contar a história porque falava da perda. Não é uma biografia. Lota e Elizabeth são personagens dessa história de amor. Uma história em que a forte fica fraca porque não sabe lidar com a perda, e a fraca, perdedora, vai ficando forte porque lida melhor com isso. Grandes momentos de suas vidas ocorrem quando elas estão juntas. Elizabeth ganha o Pulitzer, desabrocha como escritora, porque teve estabilidade emocional e material. Não é por causa do Brasil. E a Lota tem a ideia do parque do Flamengo (talvez a sua maior obra).

Crítica: Filme 'Flores Raras' é corajoso, mas não tão arrojado como pede a trama

SÉRGIO ALPENDRE

"Flores Raras", longa mais recente de Bruno Barreto, é baseado no romance real entre a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares (Glória Pires) e a poetisa norte-americana Elizabeth Bishop (Miranda Otto). Ambas moraram juntas em Petrópolis, entre as décadas de 1950 e 1960.
Há um momento que é raro dentro do cinema comercial brasileiro: quando Lota e Elizabeth voltam do passeio de carro no qual se tornaram amantes. No exato instante em que o carro estaciona na entrada da casa de Lota, a câmera faz um recuo inusitado para reenquadrar as duas na parte esquerda da tela, enquanto na parte direita se encontra Mary, companheira de Lota, sentada sozinha num sofá dentro da casa.
Esse tipo de movimento da câmera destoa da sobriedade que o diretor Bruno Barreto impõe a seu filme, mas ao mesmo tempo instaura um salutar respiro à narrativa, que até então estava a um passo do academicismo. Vemos a tela dividida entre o despertar de um romance e o ocaso de outro.

Um ocaso que, no entanto, não significa a saída de Mary, pois Lota quer manter as duas por perto. O preço a pagar é a adoção de uma criança, desejo de Mary com o qual Lota nunca havia concordado.

A tela dividida ainda espelha outras divisões: vemos personagens situadas entre Estados Unidos e Brasil; o compromisso e a liberdade; Petrópolis e a capital do Estado; a língua inglesa e a portuguesa.
Vemos também uma personagem, Lota, dividida entre o desejo carnal por Elizabeth e a segurança da antiga relação com Mary. Esta é precisamente a mesma situação que vive a personagem do melhor filme de Bruno Barreto, "Dona Flor e Seus Dois Maridos". Ali também vemos uma mulher dividida entre a segurança e a carnalidade.

"Flores Raras" se apoia na brilhante interpretação de Miranda Otto (que também está bela como nunca antes no cinema) e revela uma certa coragem no retrato do triângulo feminino.
Infelizmente, essa coragem não se sustenta o filme todo, pois Barreto é limitado pela segurança de um cinema de qualidade, baseado no cálculo e na pompa, sobretudo na segunda metade, justamente quando a história pedia algo mais arrojado, condizente com seu desassossego.

Elizabeth Bishop (1911-1979)
"Nunca me senti uma exilada, mas também nunca me senti exatamente em casa", disse a poeta ao "Christian Science Monitor", em 1978.
Bishop era uma crítica da desorganização do Brasil. Também dizia não entender o caráter pacato do povo. Em uma cena, ela comenta a passividade diante do golpe militar de 1964.
sua estada no Rio se prolongara porque ela teve de ser internada em um hospital, em consequência de uma reação alérgica a um caju

Maria Carlota de Macedo Soares 
Urbanista e paisagista brasileira Lota de Macedo Soares (1910-1967)
"Lota era uma mulher extremamente masculinizada, mas feminina nos seus gostos. Enquanto trabalhava no aterro do Flamengo, fazia questão de almoçar com talheres de prata e porcelana inglesa", diz Glória Pires.

O retrato de Lacerda, aliás, é uma das maiores inconsistências históricas do enredo, edulcorando a figura do político, conspirador de primeira hora, quando governador da então Guanabara, a favor do golpe de 1964. Este e outros aspectos passam ao largo, atenuando-se o lado mais polêmico de Lacerda, apresentado como um intelectual tranquilo, que falava tão bem o inglês, além de um governador de visão, que chamou Lota para idealizar o Parque do Flamengo.

Neusa Barbosa, do Cineweb